Por Marcos Joel
Muitas pessoas, e a própria mídia, têm se manifestado sobre a redução da maioridade penal nestes últimos tempos por vários motivos. O aumento da violência entre os adolescentes tem sido uma constante em nossa sociedade a tal ponto de não suportarmos mais tamanho descaso em relação a este assunto. A frente que defende a redução da maioridade penal de 18 para 16 anos, encontra diversas barreiras para a aprovação e a aplicação de novas leis mais rigorosas para a diminuição da violência. Já os que defendem a não redução, oferecem argumentos diversos que possam justificar a continuidade da atual maioridade penal. O Estatuto da Criança e do Adolescente, e o Código Penal têm se mostrado ineficientes na aplicação de sanções dos delitos causados por menores infratores. A desigualdade econômica e social, a incapacidade de aplicação de políticas econômicas de base a longo prazo voltadas para a re-educação da sociedade (educação, saúde, moradia...) têm sido visíveis paliativos políticos, que apenas nos dão um alívio passageiro a este assunto permanente em uma sociedade violenta e doentia que nos encontramos. Fora isto, nosso sistema prisional, corretivo e carcerário, tem se mostrado ineficiente e ineficaz na aplicação das penas para a reintegração do delinquente à sociedade. O Estado precisa e deve tomar partido, mear a situação, e encontrar uma solução plausível, viável e justa.
O ECA, Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei nº 8.068/90), nomeia o delito causado por um menor infrator de Ato Infracional: “Art. 103. Considera-se ato infracional a conduta descrita como crime ou contravenção penal.”. Já a ação antijurídica especificada no CP, Código Penal (Decreto-Lei nº 2.848/40), e na Lei das Contravenções Penais (Decreto-Lei nº 3.688/4), que especifica as contravenções penais, a nomina como crime ou infração penal e contravenção ( a diferença entre as duas é que na infração penal a lei comina pena de reclusão ou de detenção, quer isoladamente, quer alternativa ou cumulativamente com a pena de multa; já na contravenção, a infração penal a que a lei comina, isoladamente, pena de prisão simples ou de multa, ou ambas, alternada ou cumulativamente.). O CP em seu Art. 27, especifica que: “Os menores de 18 anos são plenamente inimputáveis, ficando sujeitos às normas na legislação especial.” O ECA em seu Art. 104, regulamenta: “São penalmente inimputáveis os menores de dezoito anos, sujeitos às medidas previstas nesta Lei.”
A mídia e a sociedade têm se manifestado fortemente sobre a redução da maioridade penal. Elas que, além de pressionarem, muitas vezes movidas por impulsividade, por paixão, por emoção, agora também querem punir, e com garantias legais para a tranquilidade social. Um assunto de tamanha complexidade deve ser devidamente analisado em todos os seus aspectos e com a devida coerência, proporcionalidade e equidade.
O ECA é, deveras, um instrumento exemplar mundial de proteção aos direitos da criança e do adolescente, que pretende salvaguardar de todas as formas, estes direitos. O Estado tem o interesse de investimento na reinserção de jovens infratores na sociedade com medidas sócio-educativas. Contudo, a mesma lei que protege a criança e o adolescente, também ampara o crime organizado, pois o menor infrator, como já fora dito, não comete crime, e sim, ato infracional, e não pode ser punido. O crime cometido por um adolescente ou por um adulto tem pesos diferentes, mas com as mesmas consequências para a vítima do delito sofrido. Enquanto uma pessoa com 18 anos que pratica um latrocínio à mão armada, é sancionada com uma pena de reclusão de 20 à 30 anos, um menor infrator que comete o mesmo delito, é apenado com medidas sócio-educativas para ser reinserto na sociedade. Em outra situação, enquadra-se a figura de traficantes, assaltantes, e outros agentes que vivem à margem da lei; que recrutam menores para seus trabalhos por estarem cientes que estes estão sob a égide da norma positivada, sob a proteção do Estatuto da Criança e do Adolescente, que deveria apenas proteger interesses salutares dos menores, e não os antijurídicos. Nossa legislação não deveria fazer uma divisão entre “anjos e demônios” pelo prazo de um dia apenas. O regramento penal no Brasil nos impõem isto: a diferenciação entre imputável e inimputável por data certa, ou seja, 18 anos.
Um outro ponto a ser observado é a questão da violência. Pesquisas recentes realizadas pelo IBGE, comprovam que a violência na faixa etária entre os 12 e 18 anos realmente tem aumentado alarmantemente. Mais enfadonho ainda é perceber o clamor público para que joguem nossa juventude nos presídios estaduais, ou federais, para cumprirem as devidas penas ou que, de fato, cumpram sancões cada vez mais cedo.
O que pretendemos expor é que o nosso sistema prisional não se parece nada com o que está especificado na constituição federal, Art. 5º, inc. XLVI, alínea a: “privação ou restrição da liberdade.” A Constituição Federal especifica que a pena mais severa é a privativa de liberdade, isto é, o ato de privar ou restringir a locomoção de quem infringiu a lei. O infrator penal não pode optar entre ir, vir ou permanecer. Mas o que vemos hoje são depósitos humanos que mais parecem calabouços, fétidos e imundos, em que o detento divide a cela, por vezes, com mais vinte presos, onde deveriam permanecer, no máximo, quatro. Não precisamos ser um especialista em política criminal para percebermos que o sistema é ineficiente para punir, além do que não se entra no mérito do atendimento dado aos presos fazendo-se análise, tão-só, das estatísticas. Assim, implementar a redução da maioridade penal é aumentar em muito o número de apenados e, portanto, estaremos diante de um “monstro” cuja capacidade de resposta e o retorno dado a nossa sociedade é ineficiente e ineficaz.
Contudo, vemos que nosso país possui também um sistema educacional precário e inábil, somado ao baixo estímulo e remunerações inexpressivas ofertados aos nossos professores que, por consequência, laboram desmotivados. Ainda mais, alie-se isto a desigualdades econômicas e sociais, a desestrutura familiar - que é a base moral de todo ser humano - a decadência moral vivida diariamente pelos nossos jovens em todas as classes sociais dentro da nossa sociedade, ao desequilíbrio do mercado de trabalho, a pressões sociais por posições de destaques, para que o jovem seja sempre um vencedor, etc. Sabemos nós, pessoas letradas, cônscias de nossa erudição, que podemos fazer escolhas entre o certo e o errado. Mas, e aquelas que nunca tiveram a chance de ter o conhecimento básico, ou se a tiveram, foram obrigadas, por vários motivos, a optar entre expandirem sua instrução ou manterem-se vivas dentro desta sociedade animalesca na qual nos deparamos?
Cabe, neste sentido, ao Estado, mantenedor da ordem pública e representante dos direitos coletivos, o dever de tutelar os direitos básicos, juntamente com a sociedade e a família, para que crianças e adolescentes tenham pelo menos a educação mínima adequada e que consigam conviver junto à sociedade. Há, portanto, a necessidade delas ser tratadas e amparadas por políticas sociais fortes, e não apenas punidas do ponto de vista correccional, e ainda, com amparo legal.
O Art. 227 da CF, nos mostra o seguinte:
"É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança e ao adolescente, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão."
Por outro lado, através de nossos veículos de comunicações (internet, televisão, rádio, revistas, livros, etc), nossos jovens, confirmadamente, estão muito mais informados na faixa etária em questão, entre 12 e 18 anos, que nossos pais e avós. A verdade é que, com tanta informação surgindo de todos os lados hoje, o amadurecimento involuntário da criança e do adolescente, como vemos, é um fato. Ademais, nossos jovens, com idade entre 16 e 18 anos, tem a faculdade do voto nas eleições. Considerando o que a Carta Magna estipula, se ele tem capacidade relativa com poder de participativa decisão do futuro de um Estado, também terá capacidade de resolução em relação a deliberações tomadas para a sua vida.
Por todo o exposto, compreendemos que o assunto é de extrema delicadeza, e que não deve ser abordado no calor da paixão e da emoção. De fato, apenas a redução da maioridade penal ou a aplicação de leis mais rígidas não vão acabar, ou diminuir significativamente, a violência vivida e sofrida pela sociedade, hoje tão calejada, vítima de seus próprios frutos. Sabemos que nosso clamor por punições mais ásperas de nada adianta se o Estado não investir em um sistema prisional que realmente funcione, em que detentos trabalhem para pagar as custas de seus gastos e que a ideia de que preso tem que “ser jogado na cadeia” deva mudar, por mais difícil que seja.
Estamos cientes de que é dever do Estado investir no crescimento e desenvolvimento econômico e que é a partir dele, e em conjunto com ele, que a sociedade e as famílias poderão e deverão orientar de forma melhor seus jovens. Com a devida educação de hoje, não precisamos fazer pressão por leis punitivas mais severas no futuro. Não adianta reivindicarmos justiça, sem termos o mínimo de educação, ou alimento, ou casa, ou o mínimo necessário para que o ser humano sinta-se pessoa digna. Como podemos exigir algo de alguém que não tem nada a perder, por que não teve a chance de ter tido, ao menos, dignidade. Sabemos, sim, que nossos adolescentes, hoje, têm uma maior compreensão e discernimento do que é moral ou antiético, pois nós convivemos com isso todos os dias. Mas e para quem nunca teve nada e, até este nada, fora retirado? Tente convencer a mãe que acaba de perder um filho de dois anos em um assalto a mão armada de que o nosso país pode ser melhor, que nossos jovens podem ser educados e o nosso sistema educacional ou prisional pode corrigir este fato social? Tente convencer este menor que acabou de cometer este ilícito que a vida dele pode ser diferente perante a sociedade? Isto não é assunto para ser debatido em meses, isto é assunto para ser resolvido para futuras gerações. Sim, sabemos o que devemos fazer, como fazer e seu resultado. Basta começarmos agora. O nosso futuro está em nossas decisões.
"Não somos o que deveríamos ser; não somos o que iremos ser. Mas graças a Deus, não somos o que éramos."
Martin Luther King