A decisão do relator, Ministro Ayres Britto, em relação ao reconhecimento à união estável entre homoafetivos é uma lição de ética, moral, direitos humanos, segurança jurídica e justiça.
Vale a pena investir um pouco do precioso tempo de nossas vidas para a leitura de sua, muitíssimo embasada, decisão.
V O T O
O Senhor Ministro Ayres Britto (Relator).
Começo este voto pelo exame do primeiro pedido do autor da ADPF nº 132-RJ, consistente na aplicação da técnica da “interpretação conforme à Constituição” aos incisos II e V do art. 19, mais o art. 33, todos do Decreto-Lei nº 220/1975 (Estatuto dos Servidores Públicos Civis do Estado do Rio de Janeiro). Técnica da “interpretação conforme” para viabilizar o descarte de qualquer intelecção desfavorecedora da convivência estável de servidores homoafetivos, em comparação com a tutela juridicamente conferida à união igualmente estável de servidores heterossexuais. O que, em princípio, seria viável, pois entendo que os dispositivos em foco tanto se prestam para a perpetração da denunciada discriminação odiosa quanto para a pretendida equiparação de direitos subjetivos. E o fato é que tal plurissignificatividade ou polissemia desse ou daquele texto normativo é pressuposto do emprego dessa técnica especial de controle de constitucionalidade que atende pelo nome, justamente, de “interpretação conforme à Constituição”, quando uma das vertentes hermenêuticas se põe em rota de colisão com o Texto Magno Federal.
2. Devo reconhecer, porém, que a legislação fluminense, desde 2007 (art. 1º da Lei nº 5.034/2007), equipara “à condição de companheira ou companheiro (...) os parceiros homoafetivos que mantenham relacionamento civil permanente, desde que devidamente comprovado, aplicando-se, para configuração deste, no que couber, os preceitos legais incidentes sobre a união estável de parceiros de sexos diferentes”. Sendo que tal equiparação fica limitada ao gozo de benefícios previdenciários, conforme se vê do art. 2º da mesma lei, assim redigido: “aos servidores públicos estaduais, titulares de cargo efetivo, (…) o direito de averbação, junto à autoridade competente, para fins previdenciários, da condição de parceiros homoafetivos”. O que implica, ainda que somente quanto a direitos previdenciários, a perda de objeto da presente ação. Perda de objeto que de logo assento quanto a esse específico ponto. Isso porque a lei em causa já confere aos companheiros homoafetivos o pretendido reconhecimento jurídico da sua união. 3. Já de pertinência ao segundo pedido do autor da mesma ADPF nº132, consistente no reconhecimento da incompatibilidade material entre os citados preceitos fundamentais da nossa Constituição e as decisões administrativas e judiciais que espocam em diversos Estados sobre o tema aqui versado, imperioso é dizer que tal incompatibilidade em si não constitui novidade. É que ninguém ignora o dissenso que se abre em todo tempo e lugar sobre a liberdade da inclinação sexual das pessoas, por modo quase sempre temerário (o dissenso) para a estabilidade da vida coletiva. Dissenso a que não escapam magistrados singulares e membros de Tribunais Judiciários, com o sério risco da indevida mescla entre a dimensão exacerbadamente subjetiva de uns e de outros e a dimensão objetiva do Direito que lhes cabe aplicar.
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